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"...mas não comas o da árvore da ciência..."

E há toda uma carga de religiosidade no acto de comer. Decerto não é desconhecido do leitor o episódio do fruto cujo caroço ficou atravessado na garganta de todos nós cujo uso de saia e pochette condizente é sancionada socialmente. Ainda hoje se nota o alto a mexer sempre que se engole em seco (conceito extraordinário digno de teses por nascer). Há também a referência biblica ao malfadado prato de lentilhas com o qual Jacob comprou a seu irmão Esaú o direito de primogénito (lentilhas????) E poderia embrenhar-me em referências bem mais directas e presentes naquele desfile de vaidades que acontece any given sunday "Tomai e comei, este é o meu corpo..." tling. Mas não, abreviarei para as semelhanças que unem religião e rojão. Sabe o leitor que refeição digna de ostentar o título deve ser constituida de 3 partes:sopa, prato e sobremesa. Ora nesta trindade que é una reside a primeira semelhança, uma refeição que está dividida em três, mas à qual nos referimos como uma. Três que são um, um que são 3....memórias de sábados roubados ao convivio da hora Disney em detrimento da catequese tornam nostálgicos estes dedos.
Todas as religiões são politeístas, inclusivé a que é presidida pelo senhor alemão que tem nome de guarda redes e número de Jardel em anos de glória de azul e branco trajado. Antes que acabe de fazer esse pelo sinal que lesto se propos fazer, escute.... Há um só Deus, esse cujo nome é esse mesmo, mas depois há os santos e santas que, em abono da verdade, já enchiam um Estádio da Luz dos velhos tempos que tinha terceiro anel e tudo. Todos temos santos de nossa devoção a quem pedimos e mendigamos e importunamos amiude. Deus é como um pai numa família, uma pessoa só o chama quando a empresa que se apresenta é de monta "Celso, é preciso arranjar a torneira" "Celso, é preciso dar um enxerto de porrada ao teu filho Zé Miguel". Mãe extremosa esta que nomeia o filho a que é preciso aplicar o correctivo, não fosse o Celso empunhar o cinto Levi's comprado na última feira da terra e derreter de porrada o Arnaldo António.... Divago. Todas as religiões são politeistas, também o acto de comer. Há vários pratos de que gostamos, mas cada um tem um de sua especial predilecção, pratos a que volta sempre. Há, também, aquele que reservamos para dias ou ocasiões especiais, só a lembrança do dito alumia a noite mais escura. Para mim caro leitor, é o sarrabulho da Casa Borges na Correlhã... prato confecionado por mulher de farta bigodeira e que responde pelo nome de Ti Cinda. A essa maravilha da gastronomia volto de tempos a tempos, não querendo banalizar o acto de comungar daquele poema de Alvarinho acompanhado. De joelhos, mostramos a nossa humildade e reconhecemos a nossa pequenez em face à entidade que vendo Adão repousar disse: "Não é conveniente que o homem esteja só;vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele". (Curioso caso este em que Deus promete uma auxiliar ao Homem e em vez de lhe dar a bimby....condena-o com uma mulher.) Quem nunca saiu de um sitio de repasto de joelhos, esmagado pela sua insignificância perante o sumo de uva fermentado?
Se a memória não me atraiçoa, havia uma componente de aeróbica na reunião da comunhão que ocorria aos domingos (levanta, senta, ajoelha, aguenta um bocado, levanta, senta, ajoelha, ao som da música agora), pois também a há em restaurante de banco de madeira corrido, trono de qualquer comensal que disso se apelide. Um banco de madeira corrido encostado à parede, onde o que pasta está encurralado por todos os lados, sempre que um colega precisa de tornar mais leve seu corpo através de libertações de eflúvios que outrora foram semelhantes aos que se aprestam a tomar o seu lugar. Levantam-se todos de forma a que esta pobre alma vá ao WC lembrando a todos os outros sua condição e a inevitabilidade de lhe imitarem os passos. Passa o comensal a quem a Natureza chama, sentam-se; volta o dito depois de ouvido o chamamento, levantam-se; passa em direcção ao lugar marcado de destino, sentam-se.... tling Um copo parte, não mais moldará mãos à sua forma. Ouve-se em coro "Paga" , fosse o dito dizer acompanhado de cestinha de vime passada de banco em banco e haveria reminiscência de manhãs de domingo passasdas rodeado de talha dourada e a ouvir um conjunto de senhoras, absolutamente convencidas que cantavam, fazer uma chinfrinheira comparável apenas ao que comensais bem comidos e melhor bebidos fazem......